Vale a pena ser feliz

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

A psicologia do "Despertar da Primavera"

A peça do dramaturgo e escritor Franz Wedekind - "O Despertar da Primavera" - escrito em 1891, trata basicamente dos aspectos do sujeito adolescente, podendo ser considerada como um referencial, sempre atual, da questão da adolescência, sob o enfoque de um despertar do sujeito aos encontros e desencontros na vida humana.

Na verdade, este tempo adolescente do ser humano, que é um tempo lógico e não cronológico, é um despertar para o mal-estar do ser humano diante de situações angústiantes que implicam na sua sexualidade.

Mas é um tempo lógico.Um tempo lógico? ! ? Seria lógico no sentido da adolescência acontecer numa determinada fase da vida igual para todas as pessoas e não seria lógico, no sentido de que nem todas as pessoas estão ou se sentem preparadas para esta passagem com a mesma idade que outras.

A adolescência não é um tempo determinado na vida humana. Ela pode acontecer em qualquer idade após a infância e, talvez(quem sabe? ) não acontecer jamais...Isto porque adolescer é um marco, a morte simbólica da criança para o nascimento do adulto desejante.

A adolescência não permite mais lançar mão dos pais, como é utilizado pela criança, para fazer frente a esta descoberta dos impulsos sexuais. Nesse tempo da adolescência, os pais são sempre falhos nas respostas, exigindo que o sujeito vá buscar trilhas dos caminhos da lei, na qual o seu desejo está inscrito de forma simbólica.

De uma forma sucinta, pode-se dizer que a peça de Wedekind gira em torno de quatro personagens principais: Melchior, Wendla, Moritz eIlse.

Ela aponta os grandes conflitos da adolescância, focalizando entre outros a questão da sexualidade, quando o adolescente descortina a relação sexual como impossível, pois, com o encontro do ato sexual, descobre que as fantasias sexuais nunca se completam inteiramente, posto que sempre o ato em si revela-se inadequado.

A descoberta da contradição entre ternura e sexo, que se mostra claramente entre alguns personagens da peça, clarifica que esse tempo de descoberta sexual é marcado por uma necessidade de auto-exploração, muito mais que pela entrega ao amor, hoje em dia revelado
abertamente pelo comportamento do "ficar" com alguém, inspirando a moda atual do adolescente no nosso meio social.

Ainda há que ressaltar o caráter da sexualidade como polimorfa perversa que na peça é referida e colocada em ação, não só pelas fantasias engendradas pelos personagens, mas também na cena entre Melchior e Wendla que sustentam uma atuação "sadomasoquista", se é que se pode nomear desta forma.

A surpresa e a angústia experimentada por Melchior ao constatar que sentiu prazer e excitação em infringir dor física a Wendla, leva-nos ao entedimento da tênue fronteira que separa a dor e o prazer. Isso nos remete às origens da sexualidade humana como fundamentada no masoquismo erógeno. Wendla quer sentir dor ao implorar que o rapaz lhe bata com uma vara, ao mesmo tempo que intuitivamente sabe que a excitação despertada pelo ato abre uma porteira para extravazar os impulsos sexuais.

Wendla caracteriza bem a problemática da assunção da feminilidade como algo construido pelo despertar da sexualidade na menina. Sua relação com a mãe é fator essencial para que uma possívem alternativa de saída seja efetividada. Privada de maiores esclarecimentos sobre
seu florescimento sexual pelas limitações preconceituosas da mãe, entrega-se à curiosidade e ao prazer da descoberta com Melchior, o que a leva `a transgressão e, posteriormente, à morte por um aborto mal sucedido.


Wendla questiona a veracidade dos bebês serem trazidos pela cegonha, exigindo uma resposta honesta da mãe, que com muita dificuldade fala do amor entre um casal para ter um filho. Esta cena mostra como soa falso o que a mãe diz ao assinalar que tem que ser com um único homem, com o homem que ama.

É em torno das vicissitudes da adolescência que, no decorrer das cenas da peça teatral, surge a necessidade dos meninos em falar sobre a sua sexualidade e suas dificuldades em ter contato com o seu próprio corpo, suas transformações, suas fantasias e desejos, pois a educação por eles recebida, e a coerção exercida pela sociedade da época, os impede de encarar tal fato com naturalidade, levando-os a conjecturar como seria diferente a educação dos seus filhos, na medida em que a educação que recebem os leva a uma dificuldade em corresponder suas necessiades ao que a sociedade e os pais esperam deles.


Um outro aspecto que o texto sobressai é o da tendêcia a agir, evidenciando o problema de suicídio que vem ocupar, hoje em dia, uma preocupação muito discutida em todos os países. O personagem Moritz revela que este tempo adolescente é propício ao acionamento de um mecanismo de eclosão de conflitos interiores, desencadeando o surgimento da crise do pai, e essa crise pode ser interpretada como uma tendência de fazer-se um pai, por este não estar funcionando inteiramente. Os ideais vacilam e o adolescente sai à procura de novos ideais.

A escola ao reprovar Moritz colocou-o frente com a derrocada do seu ideal ao qual estava fundido e, portanto, foi a conjugação de vários fatores que levaram-no ao suicídio. A escola nunca deve esquecer que ela tem que lidar com indivíduos imaturos a quem não pode ser
negado o direito de se demorarem em certos estágios do desenvolvimento.

São palavras de Moritz:
"Para que nós vamos ao colégio?...Para que eles nos reprovem! Eles vão reprovar sete. Na turma do ano que vem só cabem sessenta alunos. Eu estou me sentindo meio estranho..."

O desejo dos pais de Moritz é de que, através dele, eles possam ascender socialmente, já que não foram capazes de fazê-lo e para isto colocaram o seu filho na mesma escola que Melchior frequenta. Assim, alheios ao fato de Moritz nunca ter sido bom aluno e nem haver prognóstico para tal, depositaram nele uma enorme expectativa de obter sucesso escolar e social. Mas será que ele estaria estruturado para cumprir esses desejo dos pais?

No decorrer da peça, observa-se que momentos antes do ato trágico, após ter-se despedido de Ilse, uma amiga prostituta, Moritz diz:"Era só dizer uma palavra"...Que palavra lhe conduziria contornar o impasse de sua angústia? Seria aquela que lhe possibilitaria o acesso ao gozo sexual com o outro?

Seu suicídio é uma desesperada forma de se inscrever na divisão do próprio corpo, onde o primeiro surto leva-o definitivamente a uma separação sem apelo. Esse surto pode ter sido desencadeado após o encontro com Ilse, onde ele não se vê na posição de poder sustentar
uma posição masculina, diante do desejo de uma mulher. Ilse, representa A mulher, o que prova sua falta de estruturação, porque não podendo sustentar o seu ideal, lança mão da escolha pela morte como forma de "Sair de cena" da vida.

Enquanto isso, Melchior, ocupado que está em situar-se como homem na partilha dos sexos, não tem tempo para se preocupar com o que ocorre com as mulheres, pois o seu encontro com o sexo lhe faz um chamado para tomar posição diante da parceria com o sexo oposto.

Ele não quer se perder, razão pela qual pode aproximar-se de Wendla e engravidá-la. Não é a mesma coisa que ocorre com Moritz, que foge do contato com Ilse, mostrando que cada sujeito, de acordo com a sua história, está disposto a fazer determinadas escolhas, escolhas estas que seguem os mais diferentes caminhos.

Enfim, o que a peça nos mostra é que o preço pela desistência do desejo é a morte com todas as suas representações simbólicas. Moritz, ao contrário de Melchior, não suportou o peso do gozo, sentindo-se culpado. Melchiior, apesar da expulsão escolar, da dificuldade na relação com seus pais após os fatos da descoberta dos desenhos e explicações sexuais que deu para Moritz e de sua relação conflituosa com Wendla, percebe ser possível o gozo que o leva a substituições do objeto sempre perdido, o qual marca as separações e os lutos na vida.

Despertar difícil esse que marca a adolescência, posto que traz uma exigência ética que, se está desde sempre para o sujeito, nesse momento se deflagra como uma luta acirrada. Exigência ética frente ao seu desejo que o impele ao confronto com a falha estrutural própria da formação do ser humano, onde as garantia imaginárias sofrem abalos e algo se impõe como impossível de simbolizar.